Actualmente:
Total:Counters

sexta-feira, 23 de maio de 2008

IDEIAS SOLTAS - Lícito versus ilícito


Em situações extremas no que diz respeito a doenças incuráveis ou doentes em fase terminal, pode ser difícil para um médico interiorizar que pouco pode mais fazer para inverter a terrível situação (por vezes, os medicamentos e tratamentos não são suficientes e não impedem a vinda de um grande pesadelo para as famílias).

Como tal, um médico tem que conseguir separar o que é lícito do que não é, aquilo que ele pode fazer para ajudar, daquilo que nada pode fazer, pois está fora das suas funções e habilitações.

Todavia, pode acontecer que seja difícil adoptar uma decisão ética e profissionalmente correcta, assim como acontece em vários aspectos e situações do nosso quotidiano: o juiz que tem de decidir se alguém é culpado ou inocente quando as provas não são muito plausíveis ou concretas; o professor que tem de optar entre aprovar ou reprovar um aluno, quando tem dúvidas ou em dar um 20 ou um 19 como nota final do período, entre muitos outros casos.

“Nestes casos, uma regra moral evidente é prescindir dos possíveis motivos egoístas da própria decisão e aconselhar-se junto de outros especialistas para decidir prudentemente. Com estes requisitos, um médico – como um juiz ou um professor – pode enganar-se, mas não cometerá um acto ilícito”- Fernando Monge - ,isto é, quando se trata de uma doença incurável, o médico não pode nem deve fazer nada que o transcenda, que não esteja ao seu alcance. Deve procurar ajuda junto de outro profissional, mas tendo sempre em linha de conta que nada do que fizer será ilícito, pois apenas se limitou a fazer o seu trabalho, a dar o seu melhor. No entanto, nem sempre é fácil, tentar curar um doente sem envolver alguns sentimentos e pensamentos pessoais. E, muitas vezes, um médico pode errar. Qualquer pessoa erra, mesmo que seja um excelente profissional. Há que interiorizar que, não deixará de ser um excelente profissional por um erro que cometeu (ou por nada mais conseguir fazer para afastar o inevitável - a morte de uma pessoa com uma doença incurável). Como tal, é certo que se enganou, que errou, que fez algo mal, mas, não pode ser condenado por si nem pela situação que o envolveu. Não cometeu nenhum acto ilícito.

Ainda falando da citação de Fernando Monge, também o professor e o juiz se podem enganar, errar ou fazer algo mal. Contudo, não deixam de ser bons profissionais, de terem bom carácter, de cumprirem a sua função. Porque, tal como o médico que nada mais pode fazer para evitar uma morte certa, não cometeram actos ilícitos.

Mariana Ventura Norte

12 comentários:

Anónimo disse...

Bem, este texto, de facto, pode dar origem a várias interpretações e opiniões...
Na questão do médico não saber se foi lícita ou não a decisão que tomou em relação ao seu paciente, isso faz-me lembrar a questão da eutanásia... Não sei se era bem disso que querias falar no teu texto, mas foi o que ele me fez lembrar...
Esta questão é bastante delicada, como sabemos, porque existe sempre aquela questão: "Mas pode um médico tirar a vida ao seu paciente?"
Bem, eu sou a favor da eutanásia, independentemente de todas as questões que a ética possa levantar. E o meu argumento é bastante simples, a meu ver: não considero viva uma pessoa que esteja em constante e irreparável agonia e sofrimento, porém, também não está morta... Está numa fase central, digamos, em que não está viva porque não pode fazer mais nada senão esperar a sua morte e sofrer, e também ainda não morreu porque sente exactamente toda aquela agonia em que está a "viver". Ficam, no entanto, aquelas dúvidas de "até que medida um homem (médico ou não) pode tirar a vida a outro homem? Qual o preço por optar pela eutanásia? Será que o doente poderia recuperar passado um dia, uma semana, meses, anos?" mas tudo nesta vida é incerto e eu acho que é preferível dar uma morte digna ao doente do que fazê-lo esperar pela morte, numa constante agonia e desespero.
Quanto aos professores e juízes, tens razão: eles não sabem se estão a fazer as opções correctas ao seguir certa intuição que tenham; mas, também, acho que ninguém tem a certeza absoluta das opções que toma nesta vida, existem sempre dúvidas... Portanto, na dúvida, mais vale tentar alguma coisa do que ficar parado à espera que o tempo ou outra coisa qualquer tome as decisões por nós.
Parabéns pelo texto e continua assim!!
beijinhO**
adoro-te!! :) :)

Anónimo disse...

o teu texto tb m fez lembrar a questao da eutanasia. acho q é mt facil ser-se a favor da eutanasia, afirmando que se deve dar uma "morte condigna" ao paciente. desculpem-me a sinceridade, mas é o pensamento de quem quer ser nobre d+ e se abstrai da realidade e, mais concretamente, das leis. entao fazemos o q? matamos o paciente? da ultima vez que vi, assassinato ainda é crime e nos nem sequer temos pena de morte... ou nao fazemos nada e deixamos o paciente morrer? ora a negligencia tb é crime. parece que é impossivel reaizar a eutanasia sem cometer um "acto ilícito"...
quanto aos erros.. é claro que qualquer um de nos é humano logo pode errar. e nao é por um erro q um bom profissional se torna num pessimo profissional (que o diga o cristiano ronaldo...). mas é evidente quando se "joga" com a vida das pessoas, um erro pode ser + grave...
parabéns pelo texto ;)
beijinhos*

Anónimo disse...

Mariana:
Para não ser repetitivo, assino por baixo o primeiro comentário, que considero excepcional e retrata na perfeição o que penso acerca da questão que tão bem soubeste dissecar.
Parabéns mais uma vez para ti que continuas a manter um nível muito alto nas tuas crónicas e para a Sara que não conheço e por isso que me perdoe o tratamento tão informal.

Rubi

Anónimo disse...

Todo e qualquer envolvimento ou tomada de decisões que envolvam e condicionem a vida e o bem estar de terceiros é, por si só, um acto díficil e que necessita de muita ponderação... Quem seremos nós, comuns mortais, para decidir o justo do injusto... julgar e condenar... De qualquer forma, qualquer actuação, desde que feita em consciência, deve contemplar os riscos e os benefícios... A medicina apresenta-se como uma ciencia delicada...Muitos de nós esperam nela milagres que não podem acontecer...ser médico não é ser Deus...é ser humano, poderear, arriscar e, como qualquer outro de nós...errar!

Anónimo disse...

Mariana:
Às vezes há tomadas de decisões muito difíceis, mas se forem tomadas com consciência e ponderação não devemos temer as consequências. O mais importante é sabermos que demos o nosso melhor.
Parabéns, por mais um belíssimo texto.

Anónimo disse...

Sempre que se fala em lícito ou ilícito, e pela minha formação pessoal, invariavelmente caio na tentação histórica!! Ou seja: a escravatura foi lícita durante mais de trinta séculos e apenas deixou de o ser à um par de décadas passadas (em alguns países não é lícito mas é tolerável). A pedofilia, essa prática corrente nas civilizações da mesopotâmia, na Grécia e em Roma, na Idade Média e na revolução industrial, era lícita e só há muito pouco tempo deixou de ser tolerável e passou a ser ilegal. Estou a ser um bocadinho chato, confesso, mas a fronteira que separa o lícito do ilícito é tão ténue que apenas é determinada por circunstâncialismos, por evoluções morais e culturais, por questões económicas e por questões religiosas. É aqui que se aplica a velha máxima: "nasceste no lugar errado, há hora errada" :) beijo e boas divagações

Anónimo disse...

Obrigada Rubi!!

:)

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto Mariana, continua assim =)
beijo*

Anónimo disse...

A profissão de médico é um ofício que tem dois opostos! Está presente aquando dos nascimentos, mas também está presente aquando das mortes.
Eu penso que qualquer ser humano ao ver outra pessoa a sofrer, pensa em fazer tudo por ela, para a reabilitar! Os médicos não são execpção, são seres humanos, logo fazem o que está ao seu alcance, por vezes não fazem mais devido a imposições legais! O que certamente intriga certos profissionais.
Em relação a tomar decisões sobre terceiros é algo que deve ser ponderado e errar é humano, apesar de em algumas situações ser um erro demasiado pesado!
Continuas a escrever bem!
Beijinhos!

Helder

AnAndrade disse...

Oh meus deuses... a questão é de facto muito pertinente, a temática muito difícil de debater, a decisão certamente muito complicada de tomar...
Mas o que me assombra, o que verdadeiramente me deixa de "queixos caídos", é observar, lendo, a capacidade que as minhas meninas (sim, "minhas", sempre!) desenvolveram de pensar crítica e autonomamente, fundamentando tudo quanto defendem.
Hoje vou dormir muito, muito melhor...
Obrigada!
;)

Anónimo disse...

Tomei a liberdade de acrescentar mais um comentário e sobre a aplicação da pena de morte. Pretendo apenas cruzar duas opiniões convergentes na sua não aplicação sobre o mesmo tema: Lafayette e Vitor Hugo. "Pedirei a abolição da pena de morte enquanto não me provarem a infalibilidade dos juízos humanos." (Marquês de Lafayette), e Vitor Hugo em 1876, a propósito da abolição da pena de morte em Portugal (o primeiro país europeu a fazê-lo) “Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. (...) Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos”. Sem dúvida, Vitor Hugo é um espanto :)

Anónimo disse...

E já agora, a 28 de Maio de 1926 um grupo de senhores aprisionou a liberdade em Portugal, tendo esta apenas sido recuperada em 25 de Abril de 1974. Certamente que todos concordam que isto é ilícito....